Sobre progressistas, conservadores e peixes que amamentam!

Sobre progressistas, conservadores e peixes que amamentam!

Esse artigo tem como objetivo demonstrar esse disparate dos nossos dias que são as bolhas desconectadas da realidade e que também tocam a realidade eclesial. Algo tão antigo e tão novo que são as divisões internas na Igreja, chamada sempre a viver a unidade. Aqui falaremos sobre esse problema de maneira geral.

Sofremos em nossos dias uma doença mental que podemos chamar de raciocínio binário, ou isso ou aquilo. Uma polarização, uma espécie de mentalidade maniqueista ou dualista, a realidade interpretada entre duas forças opostas que conflitam entre si o tempo todo, uma dualidade entre substâncias separadas. Heresias que sempre foram e voltaram ao longo da história. 

Nós temos a tendência natural diante do caos da realidade, organizar os dados dessa realidade em certa ordem de classificação e agrupamentos, na verdade, fazemos isso como que instintivamente para estar numa situação mais confortável na aparente aleatoriedade do mundo em que vivemos. Em uma casa bagunçada nos sentimos desconfortáveis, perdidos, então, começamos a colocar ordem em tudo. Precisamos organizar, agrupar. Colocamos as cuecas todas juntas e seria muito desagradavel misturar com os panos de prato. Não é legal colocar na dispensa os materiais de construção, etc. 

Tentamos organizar o mundo por um método muito eficaz que é o da semelhança genérica com a diferença específica, é assim que que classificamos todos os seres por espécies, por exemplo: seres vivos de seres não vivos. De todos os seres vivos, separamos a vida vegetal, animal e racional. Bom, a semelhança geral é que todos são seres vivos, mas olhando para a vida animal percebemos a semelhança específica que todos os animais têm, sentidos, reprodução, locomoção, então, logo, criamos mais um grupo que são os animais em geral. 

Dentro do gênero animal, logo, constatamos mais semelhanças específicas em detrimento de muitos outros, os animais terrestres, aquáticos e aéreos. Dos terrestres, vemos que a semelhança específica dos mamíferos é a amamentação, então criamos mais um grupo, o grupo dos animais que amamentam, chamado, mamíferos. 

A realidade não da a mínima para a nossa opinião!

Mas como a realidade não liga para nossos esquemas simplistas e não da a mínima para nossa opinião, ela logo joga na nossa cara um golfinho que vive debaixo da água e é um mamífero. Ou seja, um peixe que dá de mamar! Ora, ora, nos obrigando a colocar um peixe que amamenta no nosso grupinho dos mamíferos! Que constrangimento para nós! Não soa estranho? Um peixe que dá de mamar!

A biologia até hoje está buscando agrupar e classificar os seres vivos, como existem cerca 7,5 milhões de seres vivos no mundo, 1,3 milhões de espécies, ainda existem muitas espécies que nem nem foram catalogadas, isso significa que os biólogos ainda tem muito trabalho pela frente. Todo meu respeito e admiração por eles!

Bom, mas o que um peixe que dá de mamar tem a ver com progressistas e conservadores? Da mesma forma que a realidade não se importa que exista um peixe mamífero, ela também não liga para a opinião dos ideólogos, intelectuais enviesados e as bolhas sociais e eclesiais.

A Igreja tem profundo respeito e obediência a realidade

E uma das coisas que mais me encanta na Igreja Católica é o profundo respeito e obediência que ela tem por esse treco complexo que é a realidade. Com a realidade não adianta sermos simplistas e esquemáticos, mas precisamos ter a grandeza e a humildade de acolhê-la assim como ela se apresenta com suas nuances, sutilezas e aparentes contradições.

Lembremos da definição clássica sobre o que é a verdade: a adequação do intelecto à coisa. Veja, é o intelecto que se adequa a realidade, o processo de conhecimento e de aumento da inteligência está no exato momento quando vamos deixando a realidade modelar e conduzir nossos processos cognitivos. 

O problema das bolhas na nossa sociedade é que elas querem se reunir em volta de um aspecto da realidade, tomando uma parte como um todo. É isso que acontece com todas as bolhas existentes.

Nos últimos anos presenciei muitos católicos se colocando em bolhas e por isso mesmo deixando de ser católicos. A palavra católico que vem do grego tem duas raízes: kata (junto) e holos (todo), isto é: universal, que abrange tudo e reúne a todos. A Igreja Católica é a Igreja Universal, porque abrange todas as culturas, épocas, espiritualidades, ritos, a Igreja Católica é um verdadeiro universo uno(um) verso(varios), ou seja, é uma diversidade na unidade. E porque a Igreja Católica é assim? Ora, porque a realidade mesma é assim! Porque o próprio Deus é assim, três em um. Uma diversidade de pessoas numa unidade de um só Deus. É um e ao mesmo tempo é três. A heresia do arianismo nasce, exatamente, da afirmação de que Jesus não é ao mesmo tempo Deus e Homem, mas apenas um homem especial escolhido por Deus. A revelação, porém, mostra que ele é cem por cento homem e cem por cento Deus, embora pareça contraditório, é assim! Quantas heresias cristológicas  nasceram, do fato, de não aceitar a revelação como ela se apresenta, mas escolhendo somente um aspecto da revelação de quem é Cristo.  

A Igreja é universal e a realidade multielementar.

Podemos dizer que a realidade é multielementar. São vários aspectos de uma coisa só. Pode-se escrever vários tratados de diferentes pontos de vista de apenas uma mosca! A física da mosca. A biologia da mosca! A neurociência de uma mosca! A simbologia de uma mosca! O sentido existencial da mosca! 

Visto que a realidade é complexa e tem vários aspectos, precisamos aguentar a tensão interior de não conseguir explicar totalmente a realidade, mas permanecer em espírito humilde de busca e contemplação, sem pressa e ansiedade de respostas rápidas que me reconfortam dentro meu mundinho.

É formidável e elegante a maneira como Chesterton fala sobre esse tipo de heresia. Do grego, a palavra heresia significa “opção”, “escolha”. Chesterton considera herege todo aquele que pega um aspecto da realidade e toma para si como o todo negando os outros aspectos. Ou seja, o herege não está totalmente errado, mas parcialmente certo. Ele defende com todas as suas forças apenas um aspecto da realidade. 

Chesterton em ortodoxia explica isso maravilhosamente no início do capítulo, paradoxos do cristianismo, deixo aqui um exemplo seu: 

“Um homem é dois homens, o da direita sendo exatamente simétrico ao da esquerda. Depois de notar que há um braço na direita e outro na esquerda, uma perna na direita e outra na esquerda, ele poderia continuar e ainda assim encontrar em cada lado o mesmo número de dedos dos pés e das mãos, olhos, orelhas, narinas e até mesmo lóbulos cerebrais gêmeos. Finalmente ele aceitaria isso como uma lei; e, então, deduziria, depois de encontrar um coração em um lado, que encontraria um coração no outro lado. E no momento triunfante em que se considerasse dono da verdade é que mais erraria. Esse silencioso desvio milimétrico da exatidão é o elemento misterioso em todas as coisas. Parece uma espécie de traição secreta do universo. Uma maçã ou uma laranja é suficientemente redonda para ser chamada de redonda, porém, não é redonda afinal de contas”.

Se queremos estar conectados com a realidade, precisamos estar sempre abertos a mudar de opinião quando verificamos que estávamos errado, quando mais um dado da realidade aparece quebrando nossos esquemas e explicações, abrindo mais uma janela, mais um aspecto. É necessário humildade! O orgulho nos desconecta da realidade. O orgulho nos faz querer lutar contra a realidade, contra os outros, nos faz querer sustentar um mundo que criamos, que nos faz sentir mais confortáveis, que melhora nossa autoestima, mas esse é meu mundo imaginário e não o mundo real. 

Os problemas que vivemos de polarização, rixas, divisões e bolhas, vem, do fato, de serem todos hereges, no sentido chestertoniano, defendendo e exaltando apenas um aspecto da realidade que contemplaram e julgaram importante e que é esse aspecto que salvará a todos.

Essa é a origem das bolhas sociais: conservadores, progressistas, direitistas, esquerdistas, comunistas, liberais, libertários, estadistas, etc, ou eclesiais: tradicionalistas, progressistas eclesiais, contemplativos, carismáticos, pastoralistas, teólogos da libertação, teólogas feministas, etc. 

Não é que eles estejam totalmente errados, só estão parcialmente certos!

Não é que eles estejam totalmente errados, só estão parcialmente certos!

O católico não tem sua bolha, ele está fincado na realidade que é complexa, densa e que às vezes se apresenta como contraditória e que se impõe. O católico busca olhar todos os pontos de vista, avaliar caso a caso, discernir, em outras palavras, pensar e não ideologizar! 

É por isso que não existem respostas prontas e simples.

Cito uma nota de instagram de um Padre que muito admiro, José Eduardo, notas essas que nada tem a ver com as superficialidades instagramaveis:

“se a ideologia protestante criou a sola Scriptura, e outros criaram a ideologia sola Traditione, enquanto muitos se anestesiam na ideologia do solus magisterium, o católico abraça toda a tríade, sem que nenhuma ponta seja privilegiada em detrimento da outra. Ele não nega os erros e as crises, as imprecisões e as heterodoxias, mas as enquadra na paciência eclesial de quem jamais se separará sequer um milímetro da unidade com a Santa Igreja, por um só motivo: a Igreja é de Deus!”

Não existe católico tradicionalista ou progressista, nem católico de direita ou de esquerda, o católico é católico e isso basta para expressar sua identidade que é própria.

Entre progressistas e conservadores prefiro os peixes que amamentam!

Não podemos cair nessas armadilhas linguísticas que nos tiram fora do eixo da nossa identidade católica, do evangelho e do raciocínio inspirado pelo Espírito de Deus que, em cada passo, vai conduzindo a sua Igreja para conservar algumas coisas e progredir em outras, para rezar mais em algumas situações e agir mais em outras, para exaltar a feminilidade em alguns momento e em outros a masculinidade, etc. Para ser católico é preciso pensar e discernir, caso a caso, o que é bom, agradável e perfeito. 

Peço licença aos senhores progressistas, conservadores, tradicionalistas e modernistas, deixe-me passar, eu sou católico!

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